quarta-feira, 23 de junho de 2010

Centros Comerciais: a cultura mercantil e as rotinas que o corpo é submetido.


[Texto escrito em 2009 direcionado à disciplina Filosofia, Educação e Corpo, ministrada pelo Prof. Dr. Hamilcar Silveira Dantas Júnior (DEF/UFS)]

Possuindo um contexto um tanto abrangente, os centros comerciais podem ser considerados como adestradores corporais, uma vez que, a rotina que direcionam ao corpo e as exigências da cultura do comércio burguês fazem com que se tornem semelhantes desde a época do feudalismo. Em traços históricos, com a revolução industrial que ocorre no Brasil em meados do século XIX, as principais mudanças no sistema do mercantilismo foram a introdução e inovação de maquinário em conjunto da mudança da relação patrão-empregado e a reestruturação das industrias de base no seu método de produção. O surgimento das leis trabalhistas se dá posteriormente como consequência da idealização dos valores humanos, fazendo com que os trabalhadores não mais fossem obrigados a trabalhar 12 (doze) horas diárias.
Voltando a tratar da corporeidade aparente nos centros comerciais, é perceptível o quanto que o corpo passa por obstáculos todos os dias, obstáculos esses que os fazem, às vezes, incondicionalmente. Criam uma rotina de deslocamento que, ao nascer do sol, passam pelos mesmo caminhos para chegar a seu ponto de venda e arrumá-lo para a clientela que nem sabe se irá ter. Pode se considerar um tipo de obstáculo a mistura de produtos numa mesma área sem divisória. De um lado são verduras; do outro um matadouro, ou então um vendedor de farinha. Produtos que serão levados ao consumidores, levantando, também, a questão da higiene sanitária do ambiente onde o corpo passaria várias de suas horas diárias.
Um outro ponto que é bastante relevante, são os fatores climáticos e suas alterações que, sendo frequentes, afetam tanto na qualidade dos produtos como nos corpos de ambos, vendedores e consumidores. E não subjugando o odos o esforço que outrora se torna satisfatório, pois resultará na suposta recompensa, deve ser posto em questão os cuidados que se deve ter ou que pelo menos deveria ter para que o corpo não sofresse tanto quanto já sofreu em décadas passadas.
Com a introdução e inovação dos maquinários no lugar do trabalho manual, o esforço do corpo ia sendo por mais vezes substituído, alguns, logicamente, caberiam pontos positivos, sendo estes os que não colocariam mais o corpo à proa ou pemons se colocaria entre o processo de fabricação e o homem, dando uma margem mas alta de segurança. Contudo, não sofreria alteração quanto sua carga horária no trabalho, ou seja, para os patrões, suas indústrias produziriam mais no mesmo tempo estimado de trabalho, então, não haveria o porquê de alterar a carga horária diminuindo-a, isso resultaria para que houvesse a preocupação com o lucro de forma mais direta, deixando o trabalhador de lado.
A carga horária de trabalhadores industriais era cerca de 12 (doze) horas diárias com intervalo para almoço. Dessa maneira, é notável o quanto o corpo é massacrado, retratado bem nossa problemática o filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, que ressalta a vida corriqueira dos empregados industriais e mostra claramente que o corpo sofre não só fisicamente, mas também psicologicamente, atuando diretamente no sujeito. E, resgatando um outro exemplo, de forma mais simples sobre o que ocorre, no filme “Abril Despedaçado”, bois começam a rodar sozinhos no engenho, acostumados com a rotina que são submetidos, afinal, foram adestrados quanto ao movimento corporal, que, do mesmo modo, o corpo do homem quando submetido ao esforço repetitivo se degrada e seus movimentos se tornam costumeiros, ou seja, sem tanta finalidade ou complexidade, o fazem sem pensar.
Dentro das fábricas, o corpo se submete a movimentos que exigem muito de sua concentração e de sua agilidade, prioritariamente em atividades repetidas várias e várias vezes por dia. Nisso, a consequência que como mostra em “Tempos Modernos” seria que o homem continuasse a fazer os mesmos movimentos como se fossem “tiques nervosos” mesmo depois de terem saído das fábricas, o que representa sinais de danos neurológicos.
Mas, partindo para um local mais aberto e fora de tanta tecnologia, as feiras populares são um dos melhores exemplos expostos para se observar as interações corpo e meio, corpo e produto e, de certo modo, a relação social entre comerciante e consumidor. Primeiramente, com a relação corpo e meio, devemos ressaltar a ideia de que estes comerciantes podem não ter a escolha de ir às feiras e os motivos que os fariam se submeter a isso é variante, podem fazê-lo por possuir uma baixa renda impossibilitando que se sustente ou sustente sua família devidamente, pode ser também por ser aposentado e não querer ficar parado em casa, entre outros motivos e fatores que os levem a trabalhar nas feiras.
Contudo, essa relação quanto à corporeidade é mais relevante no que se passa a ser de influência direta no corpo, como por exemplo, no fator temperatura que influencia não só nos corpos dos homens, mas também nos microrganismos que ali residem, outro exemplo seria analisar se o local da feira possui uma organização que acomode bem cada sujeito na estrutura física da feira, ou se os sujeitos que dela participam como comerciantes e consumidores, possuem algum tipo de auxílio de segurança ou de agentes da saúde, que devem ser considerados de suma importância em locais insalubres.
São fatores básicos que podem ter influência e causar danos físicos em uma vida prolongada, pois, o ambiente também causará alterações fisiológicas nos corpos, uma vez que, o corpo tenha que se adaptar. Com o passar do tempo, serão exigidas essas mudanças ou então o corpo simplesmente não conseguirá se manter no local por muito tempo.
Na relação corpo e produto, observam-se, inicialmente, as procedências por quais passaram os sujeitos e as mercadorias. As tendências nos centros comerciais nos dias de hoje se centram nos conceitos de concorrência que, algumas vezes, essa concorrência ainda leva a adjetivação de desleal, o que afetará posteriormente na harmonia das relações que ali existem. Contudo, junto às necessidades primárias (com preocupação maior na saúde e alimentação), vem a vontade de ampliar os lucros, o que exige certo sacrifício financeiro e um corpóreo, afinal, toda a correria, preocupações e estresses caem sobre os responsáveis do negócio. Em suma, o corpo do comerciante vendedor irá sofrer as consequências necessárias para manter seus produtos bem aparentes, chamativos e variados para que atraia a atenção do cliente, enquanto que o consumidor deverá se preocupar com as procedências do vendedor e as do produto para que não haja algo que possa lhe prejudicar.
Abordando de forma diferenciada, a relação entre comerciante e consumidor pode passar de uma relação comercial para uma social e vice-versa. Esta interação se faz inicialmente pelos produtos atrativos, os quais os comerciantes arriscam que serão mais básicos e que os consumidores irão procurar com mais frequência ou os que simplesmente irão chamar atenção. A partir daí, toma-se o rumo da seleção de comerciantes mais confiáveis ou com maior variedade de produtos, existindo certos fatores que influenciam bem nessa escolha, são eles: higiene do local, qualidade e variedade de produtos, se o vendedor já for um conhecido ou ao menos próximo à alguém conhecido, ou então se o vendedor realmente tiver uma boa dicção com o objetivo de convencer o cliente sobre determinado produto, ou uma boa empatia, isso o fará ter uma boa fama, um bom status.
Deste modo, é de notável observação o decorrer histórico-evolutivo dos centros comerciais. Evolutivo no sentido de que alternativas de comércio surgiram e que não envolviam tanto as indústrias que, no decorrer desse contexto, a forma como o corpo era observado e utilizado também mudou. A utilização dos novos maquinários trouxeram o benefício de não por tanto o corpo à prova, mas tendo o contraponto de substituir o cargo de alguma especialidade retirando assim o emprego de alguém. Mas que, como toda boa história, há de haver pontos positivos e negativos que cabem a seus respectivos donos, as opiniões e críticas que lhes agradem ou não, contudo, é importante ter em mente de que o material que se trata aqui é o corpo humano (nosso corpo) e sua funcionalidade quanto à cultura mercantil.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Dia-a-dia na cidade grande

[Texto escrito em março de 2006, aos meus 17 anos]

Como outro dia qualquer, nascer do sol, mesmas pessoas, mesma cidade. Ao irem para uma cidade grande, sonhadores acham que será a melhor mudança que farão em suas vidas. Emprego fácil, dinheiro mais fácil ainda. Coitados, sonham alto demais. Mas, o pior é dizer que casos como esses realmente ocorrem, quase nunca, mas ocorrem.
5:30 am”, horário de trabalho. O despertador alarma. João, mais conhecido como Jão, coisa da cidade, é para não perder muito tempo chamando o nome todo na correria da cidade.
Cansado, trabalhador que faz parte do grupo de construção desse “formigueiro”. Quase um trabalho escravo, de 6 às 18 horas (jornada de trabalho, convenhamos que a essa altura, século XXI, isso é um absurdo.), trabalha duro para ao menos garantir seu pão. Que não é o caso de mais um dos milhares de cidadão desempregados, mas que por pura, mas pura coincidência naquela cidade mudaria a vida de um deles, seu nome, Osvaldo, ou “Osfalto” como acabou sendo conhecido depois que foi encontrado embriagado em plena avenida principal e quase foi atropelado por um rolo-compressor no trecho que estava sendo asfaltado.
Osvaldo, desempregado a 2 anos, estava no bar, deliciando aquele bom e velho pãozinho com café, sem leite e uma colherzinha de açúcar, que lhe era servido de graça. O “barman”, de tanto expulsá-lo, acabou até conversando com ele e agora faz sua parte para diminuir a fome nas localidades. Enquanto come o pão, Osvaldo olha pela vidraça desconsolado, vendo o movimento mecanizado da cidade, um “bolo de carne humana não pinicada” entrando e saindo do metrô:
-”trabalhar....trabalhar....”, foi esse o comentário de um desempregado quando lhe perguntaram as horas.
Embora tudo parecesse monótono, depressivo e solitário, Osvaldo ainda carregava consigo a vontade de ser um trabalhador honesto, cuja felicidade chegaria a ser comparada com a de Lucy. Uma jovem menininha que vive sua infância planejada e sendo realizada pela sua babá. Uma garotinha que tinha tudo, menos a felicidade que, para ela, seria estar próxima dos pais.
Lá estava ela observando pela janela do apartamento que era obrigada a ver todos os dias, um casal de classe alta muito alta, ricos em outras palavras... O homem da casa, Rodolfo, era bem conhecido socialmente, já que diferente de sua esposa, que é extremamente material, ele costumava fazer crianças felizes com eventos para a recreação, nomes bem simples eram dados para esses eventos, “0800”. Sua esposa, Marta, criada numa família rica, pais ricos, avós ricos, o que der para imaginar de “tatatatata....taravós” na família dela, eram ricos. Acabou se casando com o Jorge, depois com o Douglas, final das contas está casada pela quinta vez.
Estavam a fazer compras. Casacos de pele, cachecóis, entre outras peças para vestimenta finíssima. Ao ver o resultado da conta, coitado! Quase que se foi de enfarto. Apesar de rico agora, existem poucas pessoas que conhecem o valor de um número com 4 algarismos antes dos centavos, e que ainda antes dos 4 algarismos vem o que mata, “VALOR TOTAL”.
Foi até a janela para respirar um pouco e pensar. Quando viu uma garotinha que os observava pensativa, olhou ao redor viu numa construção dois rapazes felizes da vida, um entrando na construção de terno com um sorriso que vai até as orelhas, o mesmo se via do homem que saia correndo da construção, rotinas da cidade... O rapaz que entrava, era o Osvaldo, que teve a sorte de ser confundido com um trabalhador e ser posto para fazer serviço na construção, já o outro, era o Jão que finalmente se deu conta que a vida dele não era naquela construção, e saiu daquela rotina.
Ambos, no momento que pararam para pensar, perceberam que faltava algo para despertar a felicidade. Para a jovem Lucy seria a presença dos pais, para o Rodolfo seria a liberdade, já que era controlado pela esposa, para o João seria a paz, descanso, um pouco de diversão, para o Osvaldo, foi o emprego que lhe faltava a muito tempo. Final feliz e muito blá blá blá para sempre... essas são mais algumas das coincidências que ocorrem numa cidade grande...