sábado, 5 de novembro de 2011

Ensaio sobre uma Educação Estética a partir da Sensibilidade



Marcel Alves Franco

Universidade Federal de Sergipe


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Resumo expandido apresentado e publicado nos anais do evento: IV Simpósio de História da Educação Física e do Esporte (CEMEFEL/DEF/UFS) 03 e 04 de novembro de 2011.

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Desde antes de nascermos recebemos estímulos das mais variadas formas. Na fase da infância somos sobrecarregados de desenhos, brinquedos coloridos, de encaixe, com diferentes tamanhos, texturas e odores. Ouvimos histórias para dormir (comumente advindas de livros que são recheados de imagens), canções de ninar, entre outras formas de estímulo, como por exemplo, o corpo do outro quando nos abraçavam oferecendo todo aquele carinho. É através do jogo de imagens e sensações que adentramos em nosso imaginário, nos desvinculando da realidade. A percepção de si (autopercepção) e a percepção para com o outro também é algo a ser desenvolvido. “A sensibilidade é o sentido do corpo. Tudo o que vive é sensível de múltiplas maneiras” (GALEFFI, 2007, p. 98). Sendo assim, partindo da proposta levantada por Dante Augusto Galeffi: Educação estética como atitude sensível transdisciplinar: o aprender a ser o que se é propriamente2, temos como objetivo deste trabalho apresentar argumentos que explicitem a necessidade de a Educação Estética – Educação da Sensibilidade – ser tratada desde cedo, na Educação Básica, pois, através da estética é possível se trabalhar o “o desejo de ser plenamente” e que é eixo fundamental para o aprender a ser daquele “que está florescendo e constituindo a sua ação na existência”, neste caso, as crianças-alunos (GALEFFI, 2007, p. 102). “A educação estética começa, assim, como educação de si mesmo e de suas relações com os outros e o mundo em sua abrangência e infinitude. (…)”, em outras palavras, teremos como problema central deste trabalho apresentar argumentos que afirmem a premissa: “Para a sensibilidade estética, o importante é a aparência como lugar da verdade do ser” (idem, p. 104). A partir da contextualização histórica do termo Sensibilidade, do termo Estética e apropriando-se dos seus conceitos, apresentar argumentos que afirmem a necessidade de uma educação estética desde o ensino básico. Em termos epistemológicos, Aristóteles considera a sensibilidade como a alma: “(...) a alma é como um princípio dos animais. Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substância, bem como todos os seus atributos, dentre os quais uns parecem ser afecções próprias da alma, enquanto outros parecem subsistir nos animais graças a ela” (ARISTÓTELES apud GALEFFI, 2007, p. 99). O sensível é caracterizado como “condição de possibilidade da vida e do conhecimento” (MAFFESOLI apud ORMEZANO, 2009, p. 36). O racionalismo metafísico não se desvencilhou, passando por Kant, Hegel, Marx e outros marxistas, mantendo-se seu expoente na matriz grega analítica, de Aristóteles (GALEFFI, 2007, p. 99). Em termos históricos, segundo Rosenfield (2009), a estética enquanto disciplina acadêmica surge pelo filósofo Alexander Gottlieb Baumgarten, no século XVIII (1714-1762), porém, origina-se no termo grego aisthesis (a posição do que é afetado sensivelmente), “sensação” ou “percepção sensível”, por assim dizer (GALEFFI, 2007, p. 102). A estética aparece nesse contexto de forma a analisar “o complexo das sensações e dos sentimentos, investiga sua integração com as atividades físicas e mentais do homem, debruçando-se sobre as produções (artísticas ou não) da sensibilidade, com o fim de determinar suas relações com o conhecimento, a razão e a ética” (ROSENFIELD, 2009, p. 7). Para melhor visualização de como o fenômeno de sensibilidade estética se deu, Galeffi (2007, p. 100), descreve que no jogo da sedução estética “o que importa não é o ser de algo e sim o modo como este algo parece ser” [grifo do autor] nos apresentando o exemplo entre burgueses (pessoas de alto relevo social) e a camada popular (a qual teve acesso, apenas, às imagens das pessoas burguesas, no caso, suas vestimentas, jóias, etc. nunca chegando a se tornar uma definitivamente uma dessas pessoas) entendido como a “vulgarização, no sentido de propagação e popularização, de industrialização e reprodução de padrões estéticos” (idem), representando a produção e consumo de bens que são claramente vistos na revolução industrial. Sendo assim, entendemos que há a possibilidade de tentar-ser algo que não se-é. Contudo, o que acontece é que este pseudo-ser torna-se o valorizado socialmente e não o que o ser identitariamente é. Galeffi (2007, p.101) afirma que somos levados “a pensar a sensibilidade estética como algo indefinido e instrumental, como função sensório-motora básica para a construção do conhecimento 'verdadeiro' e adulto, porém de ordem inferior, menor”. E justamente por isso, damos pouca importância, em nossa escola básica e em nossa cultura em geral, à educação estética. O que acontece é que na grande maioria das vezes a sensibilidade estética é tida como algo já dado, não sendo algo passível de desenvolvimento. Sendo assim, o autor faz uma alusão quando diz que a “sensibilidade, nesta perspectiva, é compreendida do mesmo modo que hoje se compreende a natureza: um instrumento à mão para usufruto especulativo-empresarial dos mais espertos e tecnicamente aparelhados” (GALEFFI, 2007, p. 101). E um meio de auxiliar no rompimento dessa visão é considerá-la em situações de ensino-aprendizagem. Sabendo que uma das principais críticas que fazem em relação ao ensino se forma a partir daqueles que se apresentam enquanto reprodutores/imitadores, devemos considerar que a imitação faz parte do processo e que é possível que esta seja utilizada intencionalmente para estimular a percepção como um de seus objetivos primeiros, pois, seria através dela que a sensibilidade seria alcançada. No que se parece tangível, encontram-se, então, traços de transdisciplinaridade3 e de possibilidades de intervenção. “Quando essa relação consciente é orientada pelo conhecimento sobre quem é a criança e como ela aprende nas diferentes idades, e não por nossas projeções espontâneas e não-científicas daquilo que queremos que elas sejam, potencializamos seu desenvolvimento cultural e psíquico” (MELLO, 2010, p. 81). Em se falar de relação consciente, ou melhor, inconsciente, é de se saber que as crianças são alvo da publicidade, tratando da questão de marketing. Isto ocorre por causa que o ser-criança é lúdico, vive um mundo imaginário sempre que pode e o vive intensamente. Além do mais, “As crianças encontram-se submetidas à vigência hegemônica de uma formação social que anestesia na raiz a possibilidade de diferenciação e distanciamento crítico” (MEIRA, 2003, p. 77). Baseado em Kant, Galeffi (2007, p. 107) conclui que “sem imaginação não há sentimento estético”, o que ocorre é “uma apresentação da vontade e do entendimento em sua forma harmônica efetiva: a imagem – o ver, o ouvir, o tocar, o cheirar, o paladar. Trata-se de um 'acorde', de um 'acordo' das faculdades4, a conjunção de um campo harmônico comum, pela reunião do que é estruturalmente distinto”. E este processo de “acordo das faculdades” ocorre, concomitantemente, com o cuidado com as emoções, sensações, sentimentos, volições, afetos, juízos, entendimentos, ideias etc., caracterizando um cuidar-se também afetivamente (Idem). Se o ser criança recebe amor e atenção, estes serão internalizados de forma saudável, com respeito a si mesmo e pelo próximo. (VIEIRA & SILVA, 2006, p. 6). Sendo assim fundamentada, e obedecendo a ideia central deste trabalho, não se propõe nenhuma metodologia específica, esta deve ser pautada em princípios, valores humanos, éticos e morais de cada professor e aproveitar o que os contextos que cada criança traz consigo, pois, é um rico arcabouço de conteúdos a serem trabalhados e desenvolvidos. “(…) o que a escola precisa por em prática, é que o que caracteriza a singularidade de uma criança é justamente a sua pluralidade, seu encantamento, sua espontaneidade. (…) a escola precisa enxergar que a heterogeneidade é riqueza, não obstáculo” (SANTOS, 2001, p. 30-31). Apesar de subentendido que há essa falta de professores mais “sensíveis”, atenta-se que: “sensibilidade não se ensina, se aprende” (GALEFFI, 2007 p. 110). “A criança não deve ser domesticada, ou seja, não deve ser influenciada por estilos adultos que a transforme em cópia dos pais ou, pior, de modelos e atores de televisão. Todo indivíduo tem sua personalidade e esta deve ser desenvolvida, estimulada; os erros devem ser trabalhados, mas sempre mediante uma atuação conjunta” (VIEIRA & SILVA, 2006, p. 6). Além do mais, “Impor padrões, regras, sem contextualizá-las, não se mostra um método eficaz de educação. Ademais, a criança, desde tenra idade, é dotada de grande inteligência e agilidade, que só precisa ser orientada e conduzida, para que todas as suas capacitações lhe sejam benéficas e não se dissipem” (idem). E assim, partindo desta perspectiva, devemos nos situar, enquanto professores, naquilo que é primordial num contexto de ensino – além dos sujeitos, obviamente: nossa didática. Cada qual tem seu modo de ensinar, de aprender, viver, isso é fato. Não se pode ser ingênuo nem tão pouco ignorante afirmando que as pessoas são o que são por escolha. Reconheçamos que hão de haver influências e necessidades a todo momento e das mais variadas formas. Cabe a nós educadores apresentar as possibilidades e atuar sobre as tais influências/necessidades. É importante salientar que o fato de se experienciar a situação, o contexto, pode promover uma outra ótica na nossa compreensão, e em nosso modo de ser. Não se deve afirmar que nos colocaremos enquanto supervisores da vida, mas sim, como aquele que estimula o outro a desenvolver um pensamento crítico para com seu ser e sua forma de ser, englobando o que se passou, o que se passa, o que pode ocorrer com determinadas atitudes e comportamentos e ressaltando que o jeito como vemos o mundo é a nossa realidade e que esta pode não ser a do outro, mas que da mesma forma, deve ser respeitada.

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Notas:


1 Acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, monitor-bolsista da disciplina Pedagogia dos Esportes I e II (DEF/UFS). Endereço eletrônico: marcelfranco1@hotmail.com .


2 Disponível no site da Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE): http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1175/1074 acessado em 13 de outubro de 2011 às 11 horas.


3 O sentido prático da educação estética concebida como atitude sensível transdisciplinar implica uma compreensão holística da sensibilidade como sensibilidade, o que permite transpassar todas as disciplinas e atividades curriculares (GALEFFI, 2007, 109).

4 Para Kant (apud GALEFFI, 2007, 106), "A faculdade do juízo em geral é a faculdade de pensar o particular como contido no universal". Segundo Galeffi, “Isto quer dizer algo puramente subjetivo, próprio, portanto, daquilo que sente em consonância ou acordo de todas as faculdades pela mediação da imaginação: uma imaginação determinante ou reflexiva, ou melhor, um juízo estético determinante ou reflexivo” (Idem).

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REFERÊNCIAS:


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GALEFFI, D. A. Educação estética como atitude sensível Transdisciplinar: o aprender a ser o que se é propriamente. In: Em Aberto, Brasília, v. 21, n. 77, p. 97-111, jun. 2007.
HILDEBRANDT, R. Experiência: uma categoria central na teoria didática das aulas abertas. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), v. 14, n. 3, 1993.
JUNIOR, C. H. Corpo, pesnsamento educacional e práxis: a “teoria” e a “prática” da Educação Física nos albores da modernidade. In: Acta Scientiarum. Human and Social Sciences: Maringá, v. 26, n. 2, p. 221-230, 2004.
MEIRA, A. M. Benjamin, os brinquedos e a infância contemporânea. In: Psicologia & Sociedade; 15 (2): 74-87; jul./dez, 2003.
MELLO, S. A. Relações entre adultos e crianças na contemporaneidade: o que estamos fazendo com nossas crianças? In: Momento, Rio Grande, v. 19, n.1, p. 77-88, 2010.
ORMEZZANO, Graciela. Educação estética, imaginário e arteterapia. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2009.
RICHTER, A. C.; VAZ, A. F. Corpos, saberes e infância: um inventário para estuos sobre a educação do corpo em ambientes educacionais e 0 a 6 anos. Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), Campinas, v. 26, n3, p. 79-93, maio, 2005.
ROSENFIELD, K. H. Estética. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
SANTOS , M A. C. dos. A compreensão de ser criança na sociedade brasileira: A família, a sociedade e a escola. Dissertação de Mestrado (Pedagogia do Centro de Ciências Humanas e da UNAMA). Belém-Pará, 2001.
SOARES, C. L. (org.) Corpo e história. Campinas – SP: Autores Associados, 2001. Coleção Educação Contemporânea.
SUASSUNA, A. Iniciação à estética. 10 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
VIEIRA, C A.; SILVA, V. J. O corpo da criança e a obesidade na contemporaneidade. In: Presente! (Revista de Educação/Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica). CEAP: Salvador/BA, jun-ago/2006.

Um comentário:

  1. Muito bom texto Marcel! E importante reflexão para subsidiar as práticas escolares... Ao longo dos meus estudos também tenho seguindo a discussão sobre a identidade... E como, através das ações didáticas, podemos atuar em favor do que venho chamando "identidades democráticas"... Porém venho estudando isso através dos Estudos Culturais... Outro caminho, mas reflexões afins... Que bom! Temos muito a dialogar!!! Assim que concluir, tb te passo minha dissertação que é justamete nessa perspectiva e trabalhei com crianças da Ed. Infantil! Boa sorte nos estudos!!! Abraço! Marília

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